ÁGUAS PARA A PAZ - PRÊMIO DA PAX CHRISTI INTERNACIONAL

18/10/2008 – 5ª Romaria das Águas de Sobradinho/BA

Com o tema Águas para a Paz nos foi entregue, no dia 18 de outubro, em Sobradinho (BA), o Prêmio da Paz 2008 Pax Christi Internacional. Três mil pessoas estiveram presentes de 10 estados, (incluindo os do Nordeste, receptores da Transposição do Rio São Francisco), da região e de outros países, como Peru, Alemanha, Áustria, Canadá e França. Como era também a 5ª Romaria das Águas, caminhamos 4 km, cantando sob a luz da lua, da cidade até a beira do Rio. Pelas mãos de pescadores, indígenas, quilombolas, sem-terras, atingidos por barragens, moradores de rua, religiosas, gente solidária de todo canto, fomos levar o prêmio ao Velho Chico. Razão da nossa luta, é ele o justo merecedor, pela vida que dá a milhões de brasileiros, como um verdadeiro pai. A placa dourada do prêmio, como um sacramento, ficará na Gruta do Bom Jesus da Lapa.

A Pax Christi na Europa e em outras partes é muito respeitada. Criada por católicos ao final da 2ª Segunda Guerra para promover a reconciliação e a paz entre franceses e alemães, tornou-se importante influência em processos de paz em todo o mundo. Com assento na ONU, hoje está presente em 60 países, envolvida na solução de conflitos. Pela terceira vez dá o prêmio a brasileiros. Os dois anteriores postumamente: a líder camponesa Margarida Alves e o embaixador Sergio Vieira. Pela primeira vez o prêmio, coletivo, foi entregue no país do premiado. Referendada por quase uma centena de entidades, a proposição foi do Serviço Paz e Justiça na América Latina (SERPAJ), do Nobel da Paz Pérez Esquivel.

Durante o dia estivemos em jejum e oração na Capela de São Francisco. Era a Jornada Mundial de Jejum e Oração pela Paz e Soberania Alimentar, dentro da Semana Mundial da Alimentação. Notícias de adesões chegavam de vários lugares. A fome aumenta escandalosamente em um mundo, em que a produção alimentar cresce como nunca, cada vez mais concentrada em poucas empresas globais que tendem a controlar as tecnologias e o mercado da comida. Nossa privação voluntária do alimento grita contra esse absurdo.

É inegável, o Prêmio significa reconhecimento internacional da nossa luta. E perturba o Governo Lula lá fora. Ele planta a idéia de que a Transposição é fato consumado. Porém, um ano depois, os militarizados canais não atingiram 2 km. A crise econômica ameaça esta e outras obras do PAC. O Supremo Tribunal Federal ainda não decidiu sobre o mérito da questão. Aliás, foram estes meus sentimentos na volta a Sobradinho: alegria pelo reconhecimento e indignação frente à teimosia das autoridades.

Dizem que a Transposição divide o Nordeste e que o “Rio da Integração” virou “Rio da Discórdia”. O prêmio Pax Christi sugere outra visão. Na verdade, somos um mesmo Semi-árido, na Bacia do São Francisco e no Nordeste Setentrional, buscando e criando por mãos populares, um modo alternativo e viável de vida e produção. Trata-se de “envolvimento” mais que de “desenvolvimento”. Quem promove a desintegração são as elites, com um “novo” regionalismo em torno da seca, em disputa por recursos públicos. Continuam as mesmas, oligárquicas e predatórias, tal como sempre foi a “indústria da seca”. A faraônica e interminável obra é sua principal cartada. A água, o bem mais precioso, virou moeda a se privatizar com a Transposição, para valorizar frutas nobres, “cana-de-etanol”, camarão e ligas de aço para exportação, especulação financeira e política. Tudo isso, para a o Rio e o povo pagarem a conta.

Estão sendo anunciados outros prêmios para nossa luta – Cidadão Mundial Kant (Alemanha) e Condômino do Planeta (Portugal). Continuamos na contracorrente de um mundo em crise sob domínio de minorias poderosas e inescrupulosas, que insistem em reciclar seu falido sistema. Para além dos mercados e novos apartheids, afirmamos a reconciliação e a paz entre pessoas, comunidades, regiões, com as águas, a terra e a natureza. Sofremos com a fragilização das mediações políticas e sociais, com a distorção dos canais de participação popular, mas estamos recuperando com o jejum e oração a Firmeza Permanente e a Não-Violência Ativa e Solidária, “armas dos desarmados”. Dimensões fundamentais da vida e da luta estão sendo redescobertas, como em Sobradinho, a alegria contagiante do povo.

Com renovado alento seguimos na interminável luta pela vida e pela dignidade dos homens e de toda a Criação, a caminho da Paz. Francisco de Assis, o Homem do Milênio, marca o caminho. Deus está conosco!

Dom Frei Luiz Flávio Cappio – Bispo de Barra/BA


Fonte: Província Franciscana da Imaculada Conceição – www.franciscanos.org.br;
Fotos: Carmem Dolores, Elson Matias e Vânia Maranhão.

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