ELEIÇÕES: CADA VEZ MAIS DESPOLITIZADAS E REBAIXADAS

Estamos assistindo um crescente processo de despolitização de nossas eleições. Durante vários anos, havia uma forte percepção de que a esquerda brasileira avançava a cada processo eleitoral. Mesmo em disputas municipais, onde predominavam os problemas locais, era possível identificar um debate político que traduzia concepções de projetos distintos para o país. Cada pleito era a oportunidade de ocupar novos postos, propagandear idéias e avançar na perspectiva de finalmente conquistar a presidência da república.

Porém, o que era um meio tornou-se um fim em si mesmo. Essas eleições municipais – as mais despolitizadas dos últimos tempos – confirmam o esgotamento desse ciclo político. Com raras exceções, a disputa de prefeituras e vereanças em todo o país converteu-se apenas num momento privilegiado para difundir maciçamente a ideologia conservadora, de direita. Ao longo da campanha eleitoral, não se debateram projetos políticos. As eleições municipais não contribuíram para desenvolver o sentido crítico do povo em relação ao sistema e fortalecer sua capacidade de mobilização, ou seja, sua vontade de tomar para si a construção do próprio destino. Tampouco fortaleceram a capacidade de organização popular.

A presença de militantes nas campanhas eleitorais é cada vez mais escassa –, e, quando existe, esvaziada de seu grande potencial que é exatamente a força numérica –, revela-se impotente diante do arsenal dos marqueteiros profissionais. Problemas estruturais da sociedade tornam-se problemas administrativos a serem resolvidos somente nos marcos institucionais existentes. Qualquer tentativa de romper essa lógica é imediatamente desqualificada. As relações de poder que moldam por dentro a sociedade ficam intocadas. No máximo, levanta-se a bandeira da ética, cada vez mais banalizada e distante dos verdadeiros problemas nacionais.

A blindagem jurídica construída nestes anos de neoliberalismo fecha portas para qualquer mudança estrutural. O exemplo principal é a Lei de Responsabilidade Fiscal. Os administradores ficam engessados, obrigados a priorizar os compromissos com os bancos e o capital financeiro. As margens de decisão política tornam-se estreitas e podem ser exercidas somente se não afetarem as bases determinantes da política e da economia.

Neste contexto, as propostas administrativas pouco se diferenciam. Privatizar rapidamente ou de forma gradual? Destruir os serviços públicos ou enfraquecê-los aos poucos? O Estado tornou-se refém da acumulação financeira, e as instituições políticas – embora conservando características formais de uma democracia – perderam a conexão com as demandas por uma nação mais digna e uma vida melhor para a maioria do povo. Temos no Brasil um Estado cada vez mais preparado para reprimir os movimentos sociais e favorecer os grandes grupos econômicos, porém impermeável a qualquer proposta de transformação.

Outro fator para a despolitização é a legislação eleitoral. As regras da institucionalidade eleitoral pasteurizam os projetos políticos, disseminando a mensagem ideológica conveniente ao projeto de dominação de que “todos são iguais”. Os candidatos se conformam numa massa indistinta e o discurso aparentemente radical pode aparecer na boca dos mais conservadores.

Mas a grande característica dessas eleições foi a ausência de um projeto popular capaz de se colocar como uma alternativa nacional. Por todo o país surgiram candidaturas isoladas que se esforçaram neste sentido, mas quase sempre foram engolidas pela dinâmica despolitizadora. As tentativas de utilizar os parcos segundos no horário eleitoral gratuito para propagandear idéias acabam sendo tragadas pela lógica da banalização. O trágico é que esse esforço acaba consumindo as principais energias e recursos de inúmeros lutadores e lutadoras populares.

As eleições municipais confirmaram uma tendência já perceptível em 2006. A luta eleitoral já não cumpre o papel de unificar as forças populares, como fez nos últimos trinta anos. Mais uma vez se comprova que a unidade entre as forças e organizações de esquerda somente será possível em torno de ações e lutas de massa e na construção de um programa mínimo que contemple as bandeiras de um projeto popular.

Se não formos capazes de unificar as forças populares em torno de lutas, ações e campanhas, não conseguiremos romper a armadilha em que se converteu a luta eleitoral.

O futuro não pode ser a perpetuação do presente. Não podemos permitir que esse cenário se reproduza, ainda mais trágico, nas eleições de 2010. Para os lutadores e lutadoras populares, a principal tarefa é organizar, formar politicamente o povo e construir um projeto popular para o Brasil.


Fonte: Jornal Brasil de Fato (Edição 293) – www.brasildefato.com.br

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