-Mais de 40 indígenas do povo Xukuru são processados em Pernambuco

Diz o senso comum que no Brasil índio não vai para a cadeia. A situação do povo Xukuru, que vive na região de Pesqueira, agreste pernambucano, desmente essa tese.

Os Xukuru enfrentam um dos mais violentos processos de criminalização entre os movimentos que lutam por seu território. São 43 pessoas deste povo processadas pela Justiça por suposto envolvimento em crimes que ocorreram no contexto da disputa fundiária. Desse total, 26 já foram condenadas, duas cumprem prisão preventiva e outras aguardam julgamento.

Atualmente, os cerca de 10 mil Xukuru ocupam quase 95% dos 27 mil hectares homologados como terra indígena em 2001. A reconquista do território, no entanto, resultou em assassinatos e perseguições. Além dos indígenas processados, nos últimos 17 anos, seis Xukuru e um importante aliado foram assassinados em função da luta pela terra. Dentre os assassinos, apenas um foi preso e em seguida encontrado morto na prisão. Por outro lado, diversos Xukuru foram investigados e presos.

Para o cacique do povo, Marcos Luidson, há três razões principais para os processos. A primeira é a insatisfação das elites da região com a vitória do povo. “Os inimigos dos Xukuru não aceitaram o fato da gente ter conquistado o território”. Entre 1990 e 2003, os Xukuru fizeram 50 retomadas e reconquistaram, de fato e pela via legal, seu território tradicional. “Agora, os inimigos apostam que não vamos conseguir cuidar da terra”, afirma o cacique.

Marcos Xukuru também aponta interesses econômicos e políticos por trás das ações contra o povo. Os antigos invasores da terra, que têm apoio de um pequeno grupo de indígenas, pretendiam explorar economicamente o turismo religioso na região. Eles construíram um santuário para Nossa Senhora das Graças e estrutura hoteleira para receber romeiros dentro da terra Xukuru.

Após a demarcação da terra, a visita de fiéis ao santuário não foi proibida. O terceiro motivo seria a crescente importância da população Xukuru no resultado de eleições locais e para deputados. “Perseguindo nossas lideranças, eles querem quebrar nossa unidade política”, afirma o cacique Marcos.

Assassinatos
As ações contra os Xukuru podem ser relacionadas com as etapas da demarcação de sua terra. Durante os trabalhos de identificação da terra, em 1992, Everaldo Bispo dos Santos, filho do pajé do povo, foi assassinado a tiros.

O autor dos disparos, o não-índio Egivaldo de Farias, nunca foi levado a júri. No mesmo ano, foi publicada pelo Ministério da Justiça a portaria que declarou os 26.680 hectares como terra indígena. A pressão contra a demarcação física do território aumentou a tensão entre os Xukuru e seus adversários.

Em 1995, Geraldo Rolim da Mota Filho, procurador da Fundação Nacional do Índio (Funai) que atuava na demarcação da terra Xukuru, foi assassinado na Paraíba. Apesar de relacionado à questão fundiária indígena, o caso foi julgado na Justiça Comum. O autor dos disparos, o fazendeiro Theopompo Siqueira de Brito, foi absolvido por “legítima defesa”.

Para ocupar a terra já declarada e pressionar o governo federal a homologar a área, os Xukuru mantiveram a estratégia das retomadas, liderados pelo então cacique Francisco Araújo (Chicão Xukuru).

Chicão foi fundamental para a reorganização do povo na década de 1980 e, por consequência, para a reconquista do território. Em 20 de maio de 1998, ele foi assassinado a tiros. Chicão recebia ameaças de morte e também havia sido testemunha de acusação no caso do assassinato do procurador Rolim. Após a morte de Chicão, a Polícia Federal (PF) e o Ministério Público Federal (MPF) em Pernambuco trabalharam, principalmente, com as hipóteses de crime passional ou de disputa interna de poder. No entanto, a partir da atuação de um departamento da PF de fora de Pernambuco, o inquérito identificou como responsáveis o pistoleiro (encontrado morto no Maranhão) e o mandante, o fazendeiro José Cordeiro de Santana (Zé de Riva), invasor de terra indígena. Zé de Riva foi encontrado morto na carceragem da PF na véspera de seu depoimento.

O assassinato de Chicão não fulminou a organização do povo nem dificultou a homologação da terra, como poderiam imaginar os mandantes do crime. Mas, a partir daí, além das agressões físicas às lideranças, foi intensificado o processo de criminalização. Atos de protesto em estradas ou na cidade de Pesqueira resultaram em processos.

Em 2001, a terra foi reconhecida pelo Estado (homologada) como tradicional dos Xukuru. No mesmo ano, foi assassinado a tiros, dentro da terra indígena, a liderança Francisco Santana (Chico Quelé). Novamente a PF e o MPF em Pernambuco privilegiaram a hipótese de disputa interna de poder como motivo para o crime. No inquérito, opositores de lideranças tradicionais foram testemunhas e importantes documentos desapareceram. Como conclusão, em 2002, foram acusadas as lideranças José Barbosa dos Santos (Zé de Santa) e João Campos da Silva (Dandão), que ficou preso por quase um ano. Desde 2003, quando conseguiram um habeas corpus, os dois passaram a aguardar o julgamento em liberdade.

Antes desse caso, Zé de Santa também foi acusado por Zé de Riva – mandante do assassinato de Chicão – de ter participado de um atentado contra o fazendeiro junto com outros dez indígenas.


Fonte: Jornal Brasil de Fato – www.brasildefato.com.br

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