RESPOSTA DE DOM LUIZ CAPPIO A DOM ALDO PAGOTTO


Caro Dom Aldo,

Paz e Bem!

Recebi sua "Nota Carta" e, por respeito ao Sr. e pela oportunidade de esclarecer aos irmãos e irmãs paraibanos os significados de meu gesto, eu a respondo.

1- Concordo que nossa vida a Deus pertence e não temos o direito de tirá-la. Exatamente porque a minha não me pertence e sim a Deus, pois a ele já a entreguei há muito tempo, é que a ofereço pela vida de muitos. Não a estou tirando, apenas jejuo e rezo, como é da tradição bíblica e cristã, por tempo indeterminado, disposto a ir até o fim. Primeiro, direcionado a Deus, Senhor da Vida e da História, como sacrifício, para que Ele se compadeça de nós e mude o coração de homens cegados pelo poder e pelo dinheiro. Segundo, direcionado aos governantes deste país, como legítima forma de ação de um cidadão, esgotadas e infrutíferas todas as tentativas anteriores de amplos setores da sociedade fazerem-se ouvir e respeitar. É um gesto pessoal, mas de significado coletivo.

2- Se conhece a minha vida, sabe que meu comportamento atual não é nada mais que coerência irreformável com toda a minha trajetória de franciscano, padre e bispo a serviço da defesa e promoção da vida. Isso quis expressar em meu lema de bispo "Para que todos tenham vida" (Jo 10,10).

3- A Santa Sé, através do Núncio Apostólico, de fato me "pediu" que não lançasse mão do recurso da greve de fome. Tratou-se de apenas um "pedido". Quanto à expressão "greve de fome", usei-a da outra vez porque mais conhecida e por seu significado político. Desta vez, prefiro que seja "jejum e oração permanentes".

4- Quanto ao projeto de transposição, o Sr. e outras lideranças esclarecidas que o defendem deveriam contar ao povo toda a verdade sobre esse projeto, suas reais finalidades, custos, mecanismos de cobrança pela água, traçados distantes dos sertões mais secos, interesses mercantis, etc, etc. Esse projeto não é solução, será mais problema. Continuar, a essa altura, insistindo no velho "discurso da seca", pregando um "populismo hídrico", a serviço da antiga "indústria da seca", agora moderno "hidronegócio", é um desserviço ao povo e uma perversão de nossa missão de pastores. O mérito aqui em questão não é técnico, é pastoral, pois "ovelhas" em risco cobram a solicitude do Bom Pastor. Foi assim que os bispos nordestinos, há quase 60 anos, com competência pastoral e apoio técnico, provocaram a criação da SUDENE.

5- O projeto de transposição não vai trazer verdadeiro desenvolvimento. A propaganda da irrigação no próprio Vale do São Francisco esconde a face dos danos sociais e ambientais e mesmo os sucessos econômicos são relativos, não é modelo a se propagar, precisa ser revisto urgentemente. Por que não fazem o mesmo empenho pelas 530 obras do Atlas Nordeste da ANA – Agência Nacional de Águas e pelas mais de 140 tecnologias da ASA e da EMBRAPA? Essas, sim, são soluções reais e bem mais baratas, resolvem o déficit humano de água nas cidades e promovem o desenvolvimento apropriado às diversidades rurais do semi-árido, sem ônus ao já tão sofrido povo nordestino e ao meio ambiente.

6- A voz do Espírito do Senhor sopra aonde quer (cf. Jo 3,8) e no clamor do povo ele exige que sejamos "simples como as pombas e espertos como as serpentes" (Mt 10,16).

Aceite meu abraço, extensivo a todas as irmãs e irmãos paraibanos,


+ Luiz Flávio Cappio

Bispo da Diocese de Barra – BA
Site: www.umavidapelavida .com.br


Sobradinho, 30 de novembro de 2007.
Festa de Santo André, mártir

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