ELITE “CRUCENHA” TENTA RESISTIR AO AVANÇO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NA BOLÍVIA

Referendo não-oficial, convocado para 4 de maio
pelo departamento de Santa Cruz,
representa um acirramento das contradições na Bolívia
que pode desembocar em um processo de fragmentação interna


País marcado por conflitos civis, golpes militares, enfrentamentos e revoltas populares, assim é a Bolívia desde a sua independência, em 1825. Esta herança de lutas internas vem desde da colonização espanhola, quando era habitada por grandes civilizações, entre elas a de Tiahuanaco e o Império Inca.

A Bolívia é hoje o país mais pobre da América Latina - 64% da população encontra-se abaixo da linha da pobreza. A economia do país está assentada basicamente no modelo primário-exportador. As principais fontes de dólares são as exportações de gêneros agrícolas – sobretudo a soja – e de recursos minerais, como o gás e o petróleo, que saem do país sem nenhum tipo de beneficiamento. Parte expressiva do gás boliviano, por exemplo, é processada no Brasil. A indústria boliviana é inexpressiva e não atende nem as necessidades básicas internas.

Com cerca de 9 milhões de habitantes, a maioria dos bolivianos é de origem indígena e camponesa (30% quiuchas, 25% aimarás e 15% eurameríndios) e somente 30% são descendentes europeus e de outras nacionalidades. No entanto, foi apenas em 2006, após a ascensão dos movimentos sociais que um boliviano indígena foi eleito presidente do país. Impulsionado pelo partido Movimiento Al Socialismo (MAS), Evo Morales assumiu o governo com uma plataforma que incorporava temas históricos de organizações populares. Seu desafio maior é incorporar a maioria indígena na sociedade boliviana e traçar uma política de desenvolvimento nacional para o país, que possui as maiores reservas de gás natural da América do Sul.

Por conta de seus recursos naturais, a Bolívia sempre foi palco de interesses imperialistas de outras potências. Recentemente, o governo de Morales revelou que a CIA (agência de inteligência dos Estados Unidos) mantinha um escritório dentro do Palácio Presidencial. Essa estrutura foi dissolvida com a chegada de Evo Morales ao governo. O último presidente eleito antes de Evo – Gonzalo Sanchez de Lozada (2002-2003)– era conhecido como “o gringo” por suas ligações com os estadunidenses. Depois de destituído por fortes protestos populares conhecidos como “A Guerra do Gás”, foi morar em Miami, onde aliás vivia antes de assumir o governo boliviano.

Os protestos que destituíram Lozada deram início à “Agenda de Outubro”, espécie de plataforma política que serve de referência dos movimentos sociais frente ao governo de Evo Morales, eleito em 2006. Uma das medidas era a nacionalização, recuperação e industrialização do gás natural. O governo Evo estatizou operações de transnacionais no país, inclusive da brasileira Petrobras. Além disso, determinou que 82% da renda obtida com os recursos iriam para o Estado, enquanto as transnacionais ficariam com 18%. No entanto, parte das organizações sociais consideraram tímidos os avanços neste campo (leia mais).

Outra medida da Agenda de Outubro implementada foi a aprovação de uma nova Constituição (veja aqui), um novo marco na sociedade boliviana que consolidaria a ascensão do movimento social indígena e conquistas sociais, como a redistribuição dos recursos advindos da exploração dos hidrocarbonetos. Para especialistas, a nova Constituição ainda mantém resquícios do período liberal, mas reconhece o direito de povos historicamente marginalizados e a característica multiétnica do Estado boliviano (leia entrevista).

Essas medidas descontentaram setores da elite boliviana, sobretudo grupos políticos dos Estados mais ricos e da região conhecida como “Media Luna”. Em contrapartida, essa oposição a Evo – com o apoio dos Estados Unidos, que inclusive teve denunciada tentativa de espionagem contra o governo boliviano (veja mais) – passou a liderar uma série de ações com o objetivo de desestabilizar o projeto político do MAS, com forte conotações regionalistas.

Superada a discussão sobre a mudança da capital de Sucre para La Paz, a crise recente atual é sobre a questão da autonomia pretendida pela elite do departamento de Santa Cruz de la Sierra, o que tem jogado a Bolívia em uma discussão sobre separatismo e unidade nacional. Um referendo não-oficial, convocado para o dia 4 de maio, pode acirrar ainda mais os antagonismos. As conseqüências podem ser o início de um processo de fragmentação interno, o que tem despertado a atenção da comunidade internacional, inclusive da Organização dos Estados Americanos (OEA) - leia mais.
A elite crucenha (de Santa Cruz) pode frear o pagamento de impostos para o governo central e não reconhecer sua autoridade. Já o governo do presidente Evo Morales considera o referendo ilegal, pois não teve a aprovação da Corte Nacional Eleitoral.

Conhecida como “barões do Oriente” (veja entrevista), a elite crucenha tenta se contrapor aos avanços políticos dos movimentos sociais indígenas sobre as políticas do Estado boliviano. A vitória do “sim” no referendo de 4 de maio, no entanto, é praticamente certa, embora cerca de 85% da população de Santa Cruz de La Sierra desconheça o conteúdo do referendo, como mostrou pesquisa divulgada pelos meios de comunicação recentemente.

A questão colocada para o futuro será de que forma o governo Evo Morales reagirá a essa ofensiva da elite de Santa Cruz que, ao mesmo tempo, não se sabe onde chegará e poderá colocar em risco a unidade territorial e política da Bolívia, pois outros departamentos da chamada "Media Luna" - como Beni, Tarija e Pando - ameaçam também fazer novos referendos autonômicos.


Fonte: http://www.brasildefato.com.br

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